Embora a história da sífilis tenha sido bastante estudada, sua origem ainda permanece desconhecida. Conforme o passar do tempo, a doença foi associada às relações sexuais e transformou-se em uma das principais pragas mundiais. A doença era vista com preconceito e como um mal pecaminoso acumulado em epidemias.
A Origem do nome
A palavra "Sífilis" é derivada do antropônimo Syphilus, protagonista do poema Syphilis Sive Morbus Gallicus, de Girolamo Fracastoro. O protagonista é castigado pelos deuses com uma doença repugnante, que o autor descreve como o que hoje chamamos de sífilis.
Existem outros nomes pelos quais a doença era chamada, como "Lues", que vem de lues, palavra latina que significa "praga". "Avariose" vem do francês avariose. "Mal-de-coito" é uma referência a sua transmissão via ato sexual. "Venéreo" vem do latim venereu. A sífilis possui vários sinônimos. Ela também é chamada de mal-americano, mal-canadense, mal-céltico, mal-da-baía-de-são-paulo, mal-de-fiúme, mal-de-franga, mal-de-frenga, mal-de-nápoles, mal-de-santa-eufêmia, mal-de-são-jó, mal-de-são-névio, mal-de-são-semento, mal-dos-cristãos, males, mal-escocês, mal-francês, mal-gálico, mal-germânico, mal-ilírico, mal-napolitano, mal-polaco, mal-turco, gálico, cancro duro, doença-do-mundo e pudendraga, entre outros termos.
Sífilias, a doença do pecado
Teorias a respeito da origem da sífilis tem sido propostas. Tais possibilidades destacam três pontos diferentes para a origem geográfica da doença.Tais hipóteses geográficas são referentes à América, à África¹ Meridional e à Ásia. Também existe a possibilidade de ter origem na Europa, embora não tenha sido reconhecida.
A primeira hipótese é mais aceita por historiadores e antropólogos, ou seja, que a sífilis esteve presente entre os nativos da América antes da chegada dos europeus, além dos argumentos² envolvidos: a existência de alterações ósseas de natureza sifilítica em fósseis americanos datados da época pré-colombiana (1492) e também, a constatação do início das epidemias da doença na Europa no século XV onde passou a ser conhecida.
¹ Outros acreditavam que a sífilis seria proveniente de mutações e adaptações sofridas por espécies de treponemas endêmicos do continente africano.
² Esses argumentos estão de acordo com os estudos de Rubem David Azulay (1988). Ele também afirma que alguns autores defendem a origem africana. Porém, segundo ele, a teoria asiática também possui indícios, considerando o achado de uma descrição característica da doença encontrada no tratado médico chinês Hongty (2.637. a.C.). Com base nesta suposição, ele também considera a possibilidade de introdução da doença na Europa através de Átila (450 d.C) e por Tarmelão I (1.405 d.C).
O cenário europeu, retratado pelas epidemias de diversas doenças, entre elas a sífilis, aterrorizou a Europa até o final do século XVIII, dizimando uma grande parte da população européia ao longo de décadas. Em especial, no caso da sífilis, este fato deveu-se principalmente à mobilidade dos europeus ao final do século XV, no desbravamento de diversas regiões supostamente contaminadas pela bactéria, nas quais o objetivo dessas expedições seriam a conquista de novos rumos econômicos para seus países.
O contato entre colonizadores e nativos teria dado início a uma troca não apenas de comunicação de culturas, mas também de doenças, entre as quais a maioria delas teriam sido disseminadas pelos europeus aos índios americanos. Viriam então à América a varíola, a gripe, a tuberculose, a peste negra, o sarampo e outras doenças que fariam parte da herança européia.
Os registros revelam que após o retorno de embarcações inglesas e espanholas ao seu continente de origem, as principais suspeitas sobre a disseminação da doença na Europa haveria se instalado. A partir deste momento, teriam surgido os primeiros surtos da doença em solo europeu. A doença seria então associada aos desejos carnais e ao pecado. Inclusive, neste aspecto, a sífilis também produziu reflexões na arte européia dos séculos medievais, revelada em afrescos como um símbolo de amor associado aos males da carne.
O rápido contágio teria passado por cidades portuárias, entre marinheiros e prostitutas, espalhando-se através de viajantes. Assim, muitas cidades da Europa sofreriam deste flagelo através do contato sexual promíscuo de militares revolucionários e prostitutas.
O aspecto monstruoso delatava atitudes pecaminosas. Os prostíbulos eram fontes potenciais da doença. A doença recebia denominações diferentes em áreas distintas. Os napolitanos chamavam de "doença francesa", estes passavam a bola para a Espanha como a "doença espanhola", que, por sua vez, a devolviam como "doença napolitana".
Uma doença oriunda do pecado, estava sempre associada ao vizinho. Os doentes recolhiam-se nas suas casas com vergonha do aspecto repugnante.
Stefan Cunha Ujvari (2008, P.90)
A imagem acima mostra um caso de sífilis congênita (descrita na introdução). A infecção do embrião pode ocorrer em qualquer fase gestacional ou estágio da doença materna. Os principais fatores que determinam a probabilidade de transmissão são o estágio da sífilis na mãe e a duração da exposição do feto no útero.
A Solução de Fowler
Em 1786, Thomas Fowler, um médico britânico, publicou um estudo sobre a eficácia de sua solução de arsenito de potássio a 1% que ele chamava de "licor mineralis", para "febres remitentes e enxaquecas periódicas". Em 1809, o "licor mineralis", conhecido na época como "solução de Fowler", foi aceito na Farmacopéia de Londres e tornou-se amplamente usado como alternativa ao quinino para a malária e foi usado para a "doença do sono" (tripanossomíase).
A Solução de Fowler continuou sendo um tratamento para muitas condições até o século 20 e ainda foi listada junto com trióxido de arsênio e arsenato de sódio na edição de 1914 do "Manual de Medicamentos Úteis" da American Medical Association como tratamento para câncer de pele, doenças inflamatórias crônicas da pele, doenças da malária, protozoários e SÍFILIS, é claro.
É claro que essa não era de longe a cura para a Sífilis, bem como tantas outras soluções que eram empregadas na época.
A introdução da Penicilina
Era preocupante o crescimento da endemia sifilítica no século XIX. Em contrapartida a medicina se desenvolvia, e a síntese das primeiras drogas tornava-se realidade. O maior impacto talvez tenha sido a introdução da penicilina que, por sua eficácia, fez com que muitos pensassem que a doença estivesse controlada, resultando na diminuição do interesse por seu estudo e controle.Mercúrio, arsênico, bismuto e iodetos foram inicialmente usados na tentativa de tratar a sífilis, mas mostraram baixa eficácia, toxidade e dificuldades operacionais. Também mostraram pouca eficácia tratamentos que, inspirados na pouca resistencia do T. Palllidum ao calor, preconizavam o aumento da temperatura corporal por meios físicos como banhos quentes de vapor ou com a inoculação de plasmódios na circulação.
A crescente preocupação com o aumento dos casos mobilizou o trabalho de médicos e cientistas, entre eles, Paul Erlich, que em 1909, após 605 tentativas de modificar o arsênico, sintetizou um composto que foi denominado composto 606 ou salvarsan, o primeiro quimioterápico da história da medicina.
Em 1928, a descoberta do poder bactericida do fungo Penicilium notatus, por Alexander Fleming, iria modificar a história da sífilis e de outras doenças infecciosas. A penicilina age interferindo na síntese do peptidoglicano, componente da parede celular do T. pallidum. O resultado é a entrada de água no treponema, o que acaba por destruí-lo.
Controlando a doença
O objetivo do controle da sífilis é a interrupção da cadeia de transmissão e a prevenção de novos casos. Evitar a transmissão da doença consiste na detecção e no tratamento precoce e adequado do paciente e do parceiro, ou parceiros. Na detecção de casos, a introdução do teste rápido em parceiros de pacientes ou de gestantes poderá ser muito importante. O tratamento adequado consiste no emprego da penicilina G benzatina (que você deve conhecer como Benzetacil) como primeira escolha e nas doses adequadas. Em pessoas com alergia à penicilina, podem ser usadas doxiciclina e tetraciclina (essa última muito empregada no tratamento da acne). Em pessoas com neurosífilis, é recomendada a administração de penicilina G potássica ou ceftriaxona. Durante o tratamento, as pessoas podem desenvolver febre, dores de cabeça e dores musculares, uma reação denominada Jarisch-Herxheimer.Em 2013 haviam 315.000 pessoas infetadas com sífilis. Em 2010, a doença foi a causa de 113.000 mortes, uma diminuição em relação às 202.000 em 1990. Depois da prevalência ter diminuído drasticamente com a introdução da penicilina na década de 1940, desde o início do século XXI que as taxas têm vindo a aumentar em muitos países, muitas vezes a par do vírus da imunodeficiência humana (VIH). Pesquisas recentes na China indicam que a causa é um aumento da promiscuidade e da prostituição, da diminuição da utilização de preservativos e de práticas sexuais desprotegidas entre homens homossexuais.
A título de curiosidade, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, provavelmente numa aventura em um bordel, contraiu sífilis, doença venérea então incurável e cujo estado final conduz à demência. Submerso na solidão e no sofrimento, isolou-se em sua casa até falecer no dia 25 de agosto de 1900.
A sífilis causa lesões no pênis e na vagina, chamadas cancro, que podem ocorrer na cabeça do pênis ou nos lábios vaginais ou colo do útero, e causam muita dor. Ainda bem que hoje em dia temos antibióticos e vacina contra a Sífilis, não é mesmo?