Ceifeiro, o anjo da morte

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"Morte é seu nome; Seu poder de Deus, o mais elevado, veio. Hoje sua foice afiada como o inferno, cortará muito melhor ainda; Logo ele virá e ceifará. E nós devemos carregar o pesar."

A morte é incrivelmente difícil de lidar para muitos de nós. A perda de um ente querido é uma agonia indescritível. A contemplação de nossa própria mortalidade, muitas vezes é incompreensível e aterrorizante.

Durante séculos, a humanidade procurou um meio para dar sentido ao fim da vida. O Ceifador/Ceifeiro, ou o Anjo da Morte, como é chamado às vezes, nos fornece uma criatura tangível para incorporar o confuso conceito de morte. No entanto, essa entidade é mais do que apenas um mecanismo psicológico de enfrentamento: é um ser que permeou o folclore e as crenças ao longo do das eras. Em alguns casos, existem pessoas que afirmam ter encontrado o próprio Ceifeiro.

O Ceifeiro Tradicional

A imagem mais comum associada ao Ceifeiro é a de uma figura vestida com um longo manto negro segurando uma foice. Uma criatura esquelética, o ceifeiro tradicional é a morte, capaz de ceifar a vida humana com sua foice tão facilmente quanto ele colheria trigo.

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Uma gravura do triunfo da morte de Petrarca, publicado em 1756. / Wikimedia commons

Esse sinistro símbolo da morte pode ser rastreado até a Eurásia do século XIV, um dos períodos mais sombrios da história da humanidade — a peste negra. A inexorável praga varreu a terra, deixando pilhas de corpos em seu rastro. Enquanto as estimativas do número de mortos variam enormemente, alguns historiadores sugeriram que até sessenta por cento da população total da Europa sucumbiu à doença. [1]

Numa época de grande miséria, talvez fosse inevitável que a morte fosse personificada na arte e na literatura como uma figura de terror. Envolto em preto, o Ceifeiro se escondia nas sombras, esperando para colher sua próxima vítima inocente. Na época da Grande Peste, a Morte reinou como rei.

Todos os povos da Europa reconheceram e até se inspiraram na soberania da morte. O movimento artístico Dança Macabra nasceu nos séculos que se seguiram. Pessoas de todas as classes dançariam junto com figuras esqueléticas para a vida após a morte em pinturas, xilogravuras e peças de teatro.

Poesias contemporâneas, incluindo este verso que foi dirigido ao Sacro Imperador Romano, reforçou a realidade de que tudo será colhido pela morte no seu tempo.
Imperador, sua espada não vai te ajudar
Cetro e coroa são inúteis aqui
Eu te peguei pela mão
Pois você deve vir à minha dança
O esquelético ceifador era o grande equalizador da sociedade medieval.

Dança Macabra na Arte Medieval

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Cena de dança macabra, óleo sobre tela, de Tallinn, Estônia. Pintado em 1475-1499. / Domínio público

Dança macabra ou Dança da Morte (em francês "Danse macabries", em alemão, Totentanz), é uma alegoria artístico-literária do final da Idade Média sobre a universalidade da morte, que expressa a ideia de que não importa o estatuto de uma pessoa em vida, a dança da morte une a todos.

Acredita-se que representações artísticas de Danças macabras surgiram no século XIV, mas os detalhes sobre o lugar e forma em que se desenvolveram inicialmente são muito discutidos. Alguns estudiosos pensam que se originou na França e que estaria relacionada a peças teatrais que dramatizavam a ideia da Morte. Uma das representações artísticas mais importantes de uma Dança macabra foi um afresco pintado em 1424 no Cemitério dos Santos Inocentes, em Paris, considerado por alguns estudiosos como o ponto de partida desta tradição pictórica e que era acompanhada por versos sobre o tema. Na primeira edição do poema Dança macabra (La Danse macabre), publicada por Guyoyt Marchant em 1485, foram incorporadas gravuras inspiradas no afresco do cemitério, que foi destruído no século XVIII. Essa primeira edição dos versos da Dança macabra, de autor anônimo e de qualidade medíocre, foi um êxito editorial, o que deu prosseguimento ao gênero.

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Detalhe de uma pintura a óleo do século XVIII da Dança da Morte. Wellcome Images, Londres  / CC by 4.0

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O anjo da morte

Olhando para além da tradicional figura do ceifeiro, nem todas as entidades associadas à morte são tão agourentas. Algumas estão apenas realizando uma tarefa necessária.

Segundo os textos das religiões abraâmicas, um dos anjos da morte é Azrael. Azrael é considerado um anjo de grande e nobre poder, escolhido por Deus para comandar muitos anjos de menor hierarquia encarregados de tirar as almas dos corpos e transportá-las através da jornada da vida após a morte. Longe de ter o poder de cessar a vida à vontade, Azrael é descrito como sendo um realizador das instruções de Deus, sendo o mestre da Morte — uma imensa e terrível besta que Deus criou.
Quando a Morte foi criada por Deus, ela, por causa de seu terrível poder, teve que ser colocada em 70.000 correntes de milhares de anos de duração cada, e atrás de milhões de barreiras. Quando Azrael foi colocado no comando dela e a viu, ele chamou os anjos para olhar para ela, e quando ela, ao comando de Deus, abriu as suas asas sobre eles e abriu todos os seus olhos, os anjos desmaiaram e permaneceram inconscientes por mil anos. Azrael recebeu todos os poderes dos céus para capacitá-lo a dominar a morte. [2]
De acordo com a literatura religiosa, “todos os poderes dos céus” tornaram o próprio Azrael temível de se ver. O anjo da morte é descrito como tendo 20 mil metros e 4 mil asas. Dizem que seu corpo está coberto de olhos e línguas, na mesma quantidade de seres vivos na Terra. Quando um ser vivo morre, o olho correspondente se fecha — extirpado pela vontade de Deus. [3]

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Uma representação artística do anjo da morte, pintado em 1881 por Evelyn De Morgan. / Wikimedia commons

Como o mestre da morte, diz-se que Azrael sabe o tempo da morte de cada pessoa. Quarenta dias antes da morte, uma folha cai da árvore da vida, sob o trono de Deus. A folha vem descansar no colo de Azrael, concedendo-lhe conhecimento da vinda da morte. O anjo é descrito como “eternamente escrevendo e apagando o que ele escreve em um grande livro: o que ele escreve é o nascimento do homem, e o que ele apaga é o nome do homem em sua morte.” [4]

A morte aparecendo como seres angelicais “são experiências frequentes para aqueles que estão morrendo”, segundo a enfermeira aposentada americana Trudy Harris. Depois de anos de experiência trabalhando com os doentes terminais, Harris encontrou certas semelhanças entre as visitas no leito de morte.
Os anjos sempre foram descritos como mais bonitos do que jamais imaginaram, com 1,80m de altura, do sexo masculino, e vestindo um branco para o qual não haviam palavras. "Luminescente" é o que cada um dizia, como nada que já tivessem visto antes. [5]
Pesquisas sobre visões no leito de morte descobriram que quase 76% dos pacientes estudados em um hospital, morreram em dez minutos após ter sua experiência. A porcentagem restante morreu em horas [6]. Um caso de visitação ocorrido imediatamente antes da morte, relatado por enfermeiros, envolveu uma menina de dez anos de idade, que morreu de pneumonia.
A mãe viu que sua filha parecia estar partindo e nos chamou [enfermeiras]. Ela disse que a criança lhe dissera que acabara de ver um anjo que a pegou pela mão — e ela se foi, morreu imediatamente. Isso nos surpreendeu porque não havia sinal de morte iminente. Ela estava tão calma, serena — e tão perto da morte! Todos estávamos preocupados. [7]
A serenidade durante uma visitação não é incomum, mesmo que a pessoa esteja a poucos momentos de falecer. As visitas dos anjos podem ser tão simples quanto alguém apontando para um canto da sala e dizendo: “Tem um anjo”, antes da sua morte. Igualmente, as visitas podem ser mais elaboradas, havendo relatos de coros angelicais realizando uma sinfonia para os moribundos, bem como belas visões do Céu, quando o anjo lhes mostra tudo o que está por vir. Essas visões podem durar mais de uma hora. [8]

Psicopompos: guias das almas

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Interpretação do século XIX da travessia de Caronte, por Alexander Litovchenko. / Wikimedia commons

Anjos da morte como Azrael, das religiões abraâmicas, podem ser descritos como psicopompos, uma palavra que, em sua forma grega original, significa literalmente “guia das almas” [psyché (alma) + pompós (guia)]. É seu propósito coletar almas recém-falecidas e ajudá-las a alcançar a vida após a morte — em geral, essas entidades não tomam nenhuma decisão sobre quem deve morrer ou quando.

Os Psicopompos aparecem em muitas culturas diferentes.

A vida após a morte e seus guias no mundo antigo

Na Grécia Antiga, o psicopompo assumiu um aspecto mais aterrador na forma do deus Caronte (imagem acima). Duas moedas eram necessárias para o pagamento desse deus despenteado e poderoso, que sem misericórdia deixaria as almas sem dinheiro murcharem nas margens do rio Estige por cem anos. Para aqueles que poderiam pagar seu preço, ele os permitiria em seu barco e os transportaria pelo rio Estige, do mundo dos vivos até o dos mortos. [9]

No antigo panteão egípcio, é Anúbis, o deus com cabeça de chacal, que serviu a muitos como seu psicopompo para a vida após a morte. Como “O Guardião das Balanças”, era seu trabalho supervisionar a pesagem da cerimônia do coração, que pesava o coração para saber se a pessoa morta que ele estava transportando era digna o suficiente para viver a vida eterna.

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Uma pintura na parede do túmulo de Sennedjem mostrando Anúbis assistindo a múmia do falecido. / Wikimedia commons

Mitologia inuíte (esquimó)

Na mitologia Inuíte, o guia das almas é chamado Anguta. De acordo com alguns contos, ele é o deus criador definitivo. Em outros, ele é apenas um viúvo mortal. No entanto, as histórias concordam que a função de Anguta é guiar as almas dos recém-falecidos do mundo dos vivos para Adlivun, um reino transitório onde os mortos se preparam para sua ascensão ao paraíso supremo na Lua.

Se a pessoa tiver muitos pecados a serem contabilizados, Anguta serve a um propósito adicional — punição. Dizem que ele bate repetidamente em sua genitália por quanto tempo for necessário para que se arrependam (o que parece ser bem eficaz, principalmente nos homens...). Segundo a mitologia, esse processo brutal pode levar anos. [10]

Psicopompos no folclore chinês

Segundo a religião popular chinesa, existem duas entidades encarregadas de escoltar as almas para o reino dos mortos. Essas divindades da morte gêmeas são retratadas com vestimentas em preto e branco, respectivamente — é por essa razão que seu título conjunto, Heibai Wuchang, se traduz em português como "Impermanência Negra e Branca".

Individualmente, o Guarda Branco é conhecido como Xie Bi'an (謝必安; 谢必安) e o Guarda Preto como Fan Wujiu (范 無 救; 范 无 救). As cores com as quais eles estão associados simbolizam suas funções: “Bi'an” significa literalmente “definitivamente em paz”, enquanto “Wujiu” significa literalmente “não pode ser ajudado”. Dependendo de como a pessoa falecida viveu sua vida, irá determinar qual desses dois psicopompos surge para guiar sua alma para o submundo.

Espíritos ancestrais filipinos

Na cultura filipina pré-colonial e atual, os espíritos ancestrais funcionam como guias das almas. Dizem que quando os que estão morrendo, em seu leito de morte, convocam uma pessoa morta específica (como seus pais falecidos), seus espíritos tornam-se visíveis aos moribundos. Tradicionalmente, os espíritos esperam ao pé do leito de morte, de modo que quando a morte chega, eles estão prontos para escoltar a alma de seu ente querido para a vida após a morte. As almas que partem são entregues à terra dos mortos por barco, onde são recebidas por outros parentes falecidos. [11]

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Visitas no leito de morte

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“Paradiso” de Dante Alighieri, ilustrado por Gustave Doré. / Wikimedia commons

A ideia de entes queridos que facilitam a passagem para o reino dos mortos é frequentemente relatada em diversas culturas.

Ginny Chappelear, coordenadora sênior de serviços de luto do Tidewell Hospice em Sarasota, nos Estados Unidos, passou por mais de vinte anos de experiência no tratamento do fim da vida. Durante uma entrevista, ela descreveu as visitas no leito de morte como sendo “tão comuns que eu não penso muito mais nelas”. De fato, os funcionários do hospital adotaram o hábito de se referir a tais experiências como o “Encontro de Espíritos”.

Uma das primeiras experiências de Chappelear de um "encontro de espíritos" ocorreu enquanto ela estava cuidando de uma senhora que estava morrendo em casa.
Cerca de cinco dias antes de sua morte, ela relatou ter visto um homem olhando pela janela. Isto era no interior e nós estávamos preocupados que fosse algum curioso espiando. Mas quando o homem voltou, ela nos disse que era o irmão dela que morrera muitos anos antes. "Ele está apenas esperando por mim", disse ela. “Eu irei com ele na próxima vez que ele vier.”

Estudo científico das visitas no leito de morte

Tais visitas no leito de morte são muito mais comuns do que as aparições de seres angelicais, ou mesmo o tradicional Ceifeiro. Anedotas de visões no leito de morte de entes queridos falecidos têm aparecido na literatura e nas biografias por séculos, mas não foi até o século XX que o tópico se tornou objeto de escrutínio científico.

Em 1977, o dr. Karlis Osis, da Sociedade Americana de Pesquisa Psíquica, publicou um livro intitulado "Na hora da morte". Durante sua pesquisa nos anos anteriores, ele examinou milhares de estudos de caso e entrevistou mais de 1.000 médicos e enfermeiras. Após a análise desses depoimentos, Osis foi capaz de identificar várias consistências encontradas em visitas a leitos de morte que não são facilmente explicadas.

Longe de relatar uma série de seres míticos inspiradores, as pessoas que estavam morrendo geralmente relatavam serem visitadas por pessoas que elas conheciam e que haviam falecido — membros da família falecidos e amigos. Essas pessoas conhecidas foram descritas em termos verossímeis, com os experimentadores ainda conscientes de seu ambiente e condições reais. Do ponto de vista dos profissionais médicos, eles pareciam lúcidos e não pareciam estar alucinando ou em um estado alterado de consciência. O mais intrigante, no entanto, foi como Osis observou que as crenças pré-existentes eram irrelevantes: se a pessoa que estava morrendo acreditava ou não em uma vida após a morte, a experiência e as reações eram as mesmas. [13]

Enquanto Ceifeiros foram retratados como uma multidão de criaturas fantásticas e temíveis no folclore, os casos da vida real dos moribundos que estão sendo visitados no momento da morte na natureza pessoal são esmagadores. Amigos e familiares que precederam a pessoa que está morrendo são frequentemente descritos como estando presentes, para cumprir a função de um psicopompo — um guia para a vida após a morte. Esses encontros relaxantes não poderiam ser mais diferentes da tenebrosa descrição do Ceifeiro do nosso passado medieval.

Até que nós mesmos nos confrontemos com um Ceifeiro, no entanto, somos forçados a ficar pensando nesse grande e último mistério. Nas palavras finais de um moribundo, que disse à filha que havia um ente querido em pé bem ali com as mãos em nos ombros: "Você não pode vê-los, mas algum dia você entenderá como é." [14]

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Cena do filme "além da vida" (2010)

Referências:
[1] “Where Does the Concept of a “Grim Reaper” Come From?” Amy McKenna. Encyclopaedia Britannica.
[2] “Tiḳḳune Teshubah”; citado por Eisenmenger, “Entdecktes Judenthum”, ii.333.
[3] Jellinek, “B. H.” v. 49 ; ‘Ab. Zarah 20b
[4] Yer. Ber. ii. 8, 5c
[5] Harris, Trudy. Vislumbres do Céu: Histórias Verdadeiras de Esperança e Paz no Fim da Jornada da Vida. 2008. p.19.
[6] Guiley, Rosemary Ellen. Enciclopédia dos Anjos. 2004. p. 92
[7] Karlis Osis, Ph.D., Erlendur Haraldsson, Ph.D. Na Hora da Morte: Um Novo Olhar na Evidência da Vida Após a Morte. 2012
[8] Guiley, Rosemary Ellen. Enciclopédia dos Anjos. 2004.
[10] “PÁGINA DE MITOS INUÍTE - O DEUS ANGUTA.” Edward Wozniak. Blog do Balladeer. 30 de junho de 2011.
[11] Scott, William Henry. Barangay: Cultura e Sociedade Filipina do Século XVI. 1994. pp. 78-92.
[12] “Visitas no leito de morte: os mortos podem se comunicar com o outro lado?” Julho / Agosto de 2009. # 79. Revista Atlantis Rising. 
[13] Karlis Osis, Ph.D., Erlendur Haraldsson, Ph.D. Na Hora da Morte: Um Novo Olhar na Evidência da Vida Após a Morte. 2012
[14] “Visitas no leito de morte: os mortos podem se comunicar com o outro lado?” Julho / Agosto de 2009. # 79. Revista Atlantis Rising.


Uma ilustração do Ceifador de Walter Crane (1913). (Fonte da imagem: Domínio Público)
Paranormal Scholar, Wikipedia (1), (2)