Conto: A brincadeira do copo

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Colegas de escola se reúnem para conversar e se divertir. Começam a jogar uma brincadeira "inocente". O que haveria de mal nisso? Descubra lendo o primeiro post da série de Contos do zona 33.

Eu deveria ter na base de uns 16 à 17 anos de idade quando conheci a brincadeira do copo. Nunca fui muito de gostar deste tipo de brincadeira, ainda mais por que sou medroso. Eu estudava em um CIEP, mais conhecido como Brizolão. Não preciso falar que o bairro a qual morava desde os meus 11 anos era muito pobre, e a violência pairava até no cheiro dos esgotos, onde já vi muitas pessoas morrem com tiros. Nesta época não me interessava muito em estudos, ia à escola apenas para ver os amigos.
Acordei às 6:30 da manhã, era uma segunda-feira. Apenas me arrumei e fui à aula. Nesse dia saímos mais cedo, pois o professor de história havia faltado. Cheguei em casa, almocei, fui para meu quarto fazer a "sesta" e acabei adormecendo. Meu celular despertou. Já eram 17:00 horas e começava a escurecer deixando o céu com um tom avermelhado do pôr do sol. Meus amigos do colégio tinham marcado esse horário para se encontrar praça. Atrasado, me arrumei ao som de Enter Sandman do Metallica e saí correndo.
Chegando lá, fomos à casa do Caio, um amigo meu da mesma sala. A galera estava bebendo, rindo e jogando conversa fora. Foi então que uma das garotas que estava ali comentou sobre a brincadeira do copo. Tava todo mundo meio entediado à essas horas, então acabamos topando.
Meu amigo, o Caio, se levantou e foi até a cozinha pegar um dos copos de sua mãe.Ao voltar ao local com o objeto, umas 8 pessoas vieram se sentar no chão da sala para participar do jogo. Eu estava entre eles, pois fui desafiado por um outro amigo que falou que eu estava com medo. Realmente fiz a grande besteira de participar, mas sabe como são os jovens, desejam mostrar que nunca têm medo de nada.
Começada a brincadeira, colocamos o dedo no copo, fizemos as preces de invocação, aquela lenga-lenga que a galera adora fazer... e começaram as perguntas. Fizeram algumas perguntas bobas de praxe. E o copo começou a responder. Eu dizia para mim mesmo que era algum deles empurrando o copo para as respostas. Não que eu não acreditasse de verdade, mas vai saber não é? Pensar que um espírito estava ali respondendo soava aterrorizador.
Os minutos se passavam, nós nem percebemos quando começou, mas a sala estava fria como um freezer. Quando alguém falava, saía aquela fumacinha da boca. Comecei a sentir uma moleza, um jeito muito ruim. Percebi que os demais que estavam brincando já não estavam mais tão animados com a brincadeira. Então a mesma menina que chamou para a brincadeira, sugeriu que parássemos. Foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas.
Sentimos um peso enorme no dedo, o copo ficou um pouco trêmulo, talvez do medo criado pelo dedo de alguém que participava. Daniele (a menina que começou a brincadeira) perguntou para o "espírito" se podíamos sair da brincadeira. A resposta veio rápida. "Não". Um dos garotos irritado falou:
—Ah, para com isso! - e tirou o dedo do copo - não vou perder mais tempo com besteira, sei que isso é de mentira.
Os demais meio receosos foram de um a um seguindo seu exemplo e tirando o dedo, eu, é claro, fui um dos últimos. Eu me lembrei daquela história do "Exorcista" que tudo começou com uma tábua Ouija, que é quase a mesma coisa que a brincadeira do copo. Eu estava distraído pensando nisso, quando uma das garotas soltou um grito, ela disse que viu o copo se mexer sozinho. Eu sinceramente não estava olhando, mas me passou um arrepio de cima em baixo na espinha. Então Daniele,  se desesperou:
—Joga logo esse copo fora, quebra ele para desfazer a invocação!
Outro garoto de supetão pegou o copo e jogou ele com tudo na parede, meio assustado.
—Não, o copo da minha mãe! - gritou Caio.
  Mas o copo apenas bateu na parede e caiu no chão sem fazer um único trincado. A sala ficou em silêncio, até quem estava fora da brincadeira se calou e ficou olhando. Outro grito, esse veio do corredor. Todo mundo se virou. Uma menina veio correndo tremendo afirmando que viu um vulto negro no banheiro. Nessa hora um cheiro insuportável de cadáver em decomposição tomou conta do ambiente.
Entre nós, havia uma garota que era espírita. Ela começou a tremer e a suar frio. O namorado dela pegou ela pelo braço desesperado e a chacoalhou perguntando se ela estava bem. Ela não respondeu. Então de uma hora pra outra começou a resmungar.
— Me ajuda, eles estão olhando para mim, eles que trazem o cheiro da morte - repetiu isso algumas vezes.
Eu, não preciso nem comentar que não passava nem uma agulha (se é que você me entende). Estava cheio de calafrios. Maldita hora que fui àquela reunião.
Essa mesma menina espírita, que não me recordo o nome, começou a dizer que haviam muitas pessoas que foram assassinadas ali. Elas estavam presas lá, querendo coisas as quais não podiam mais ter. Nesse momento parecia que vinha uma névoa escura do corredor que dava para a cozinha. Caio estava com os olhos estalados. Não dizia um A..
O pessoal inteiro se juntou e começa a rezar pedindo a Deus ajuda, foi a única solução que encontraram. A menina tremia e fazia uns tiques e barulhos estranhos com a boca. Muita gente ali estava se cagando de medo e querendo ir embora. Mas começamos, então tínhamos de terminar com essa história. Não era justo sair e deixar o rojão com o Caio. Mas acho que a motivação da maioria era o medo de levar "algo" junto consigo para casa e não o bem-estar do anfitrião.
Então, após uns minutos de reza, a neblina desapareceu e tudo aparentemente voltou ao normal. Ainda estávamos muito assustados, tanta gente faz essa brincadeira e não acontece nada (ou será que acontece?). Por que com a gente tinha que acontecer, e por que ali?
Após isso, juramos para nós mesmo que nunca mais faríamos este jogo. Outra experiência desta nunca mais na vida. As pessoas que o garota espírita viu, foram, de acordo com relatos, das pessoas que já foram mortas lá por brigas. Sim, como eu disse, o bairro é barra pesada e várias mortes já ocorreram naquele local.
Um mês depois, a família de Caio resolveu se mudar daquela casa, eles não quiseram falar o motivo, mas parece que toda noite podiam-se ouvir gemidos, ver vultos e ninguém conseguia ficar em paz lá.
Com o passar do tempo, fui perdendo o contato com as pessoas que participaram da brincadeira aquele dia. Daniele, a moça que iniciou a brincadeira, eu fiquei sabendo que um ano depois daquele dia, tentou suicídio. Não deu muito certo, ela só conseguiu algumas cicatrizes. Até onde sei, continua internada em um hospício. Uns dois rapazes que estavam lá se tornaram viciados, e acabaram morrendo de overdose.
E sobre mim? Faz tempo que eu tento me livrar desse vulto maldito que me persegue e fica sussurrando  coisas horríveis, mandando fazer coisas que se eu obedecesse, sei que me machucaria... sim, eu sei, mas ele é tão convincente.

Capa  jogo do copo via adorocinema